sexta-feira, 14 de outubro de 2011

ALÉM DA NOITE PRETA - FINAL DAS NOVELAS LEVA DIRETORES À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS


A maratona está chegando ao fim. Em breve, exaustos, todos estarão cruzando a linha de chegada, sentindo-se vitoriosos. As últimas cenas de Vamp e O Dono do mundo, as duas novelas da TV Globo que estão dando o que falar, vão ao ar em janeiro, graças ao trabalho de duas grandes equipes comandadas pelos diretores Jorge Fernando e Dênis Carvalho. E depois de longos meses amargando críticas e comemorando sucessos, ele se consideram uns verdadeiros loucos, porque só um louco assumiria uma função que exige no mínimo 10 horas diárias de trabalho ininterrupto e atrai a atenção de 60 milhões de pessoas a cada capítulo.

Trabalhamos de segunda à sábado, das 12 às 22h, durante oito meses seguidos, contabiliza Denis Carvalho, 44 anos, que há 10 anos optou em deixar de lado a carreira de ator para se dedicar à direção de novelas. Ele sabe que se não fosse a combinação perfeita de sua loucura com criatividade, não conseguiria suportar um cotidiano tão insano. Nesse quase um ano resolveu mil pepinos, recebeu mil pressões, foi aplaudido e criticado pelas imagens que colocou no ar. Precisou, antes de mais nada, produzir seis capítulos por semana, 35 cenas por dia para que O Dono do Mundo possa ir ao ar todas as noites. Não é pouca coisa nem para um louco criativo.

A função de um diretor começa dois meses antes da novela estrear. É como o carnavalesco. O difícil é armar a escola até à concentração, compara Jorge Fernando. 36 anos, que mergulhou fundo nos efeitos especiais, até então não dominados por ele, mas que Vamp exigiu em quase todos os capítulos. Nesses 60 dias iniciais, diretor e autores sentam-se juntos e definem o novo produto que terá que conquistar, de um lado. uma multidão dispare, de todos os cantos do país, de idades, religiões, profissões e sexos diferentes. Por outro, terá que seduzir os anunciantes e patrocinadores que, afinal, investem na nova atração da emissora. Isso sem falar nos diretores da empresa que dão a aprovação final.

Escolho a cara da novela dentro dessa repetição que é o gênero. Sei que tenho uma marca e tento uma grife, sustenta Jorge Fernando que dessa vez ganhou de bandeja um tema ótimo para trabalhar, o vampirismo. Até acertar com o elenco e os técnicos, Jorge costuma ficar tão alucinado que chega a cobrar atitudes até então não verbalizadas por ele. O mesmo acontece com Denis Carvalho que sabe que suas novelas também levam a sua marca, desde a direção de iluminação à interpretação, enquadramento e tudo o mais.

Nem depois da estréia e do sucesso de uma nova novela os diretores descansam. É verdade que contam com a ajuda de três diretores assistentes cada um, mas a tensão continua todo o tempo, já que a novela é uma obra aberta e depende diretamente da reação do público que faz variar para cima ou para baixo os índices do Ibope.

UM DIFÍCIL ENCONTRO - Denis Carvalho trabalha nos estádios do Jardim Botânico; Jorge Fernando, nos da Tijuca. Cada um se enfurna ali e nas salas de edição de oito a 10 horas por dia. Por isso a probabilidade de os dois diretores se encontrarem é praticamente nula. Mas a TV Programa promoveu esse encontro quase impossível.

Ao se verem os dois se acharam mais gordos do que deviam, mas Jorge Fernando avisou que já perdeu seis quilos nos últimos meses. Espontâneos e divertidos, resolveram posar - nos dois minutos de tempo livre que dispunham - na cama do cenário de O dono do mundo. Mas logo se levantaram achando que não daria uma boa foto.

Trocaram figurinhas, e quando descobriram que faltavam poucos capítulos para gravar, respiraram aliviados. Quando acabar este trabalho, Jorge Fernando emendará em outros, como dirigir shows em que possa realizar um trabalho no gênero Broadway, sem falar que já está dirigindo uma comédia com os personagens Mary Matoso e Matoso, que ajudou a criar em Vamp. Poderá também ter espaço para pensar, algo impossível agora. Denis Carvalho planeja passar dois dias em casa sem pensar em nada. Verá um caminhão de novos vídeos e lerá todos os jornais que chegarem até à sua casa. Isso até à próxima novela.

DENIS ACHA NOVELAS TAMBÉM OBRA DE ARTE - Existe um preconceito em relação à novela e aos diretores de novela, percebe Denis Carvalho que não considera o gênero menor. Diz até que novela pode ser considerada uma obra de arte. E explica por quê: "O brasileiro se especializou em vídeo, da mesma maneira como o americano se especializou em cinema. Os diretores estrangeiros que vêm nos visitar ficam impressionados com o nosso ritmo. O que conseguimos fazer em 15 minutos eles levam semanas para realizar", compara.

Denis Carvalho sonha com novelas mais curtas, que tenham no máximo 60 capítulos e três meses de duração. Com esse tamanho elas se pagariam, dariam lucro para a empresa e, ainda por cima, permitiriam desenvolver um trabalho mais bem cuidado do diretor geral que enlouqueceria menos, diga-se de passagem.

JORGINHO DESAFIA OS DIRETORES DE TEATRO - Desafio qualquer diretor de cinema ou de teatro a dirigir apenas um capítulo de novela no tempo que a gente dirige. Quem faz a proposta é Jorge Fernando, que sabe que, dessa maneira, muita gente se tornaria mais humilde e respeitaria o trabalho do diretor de televisão. É a imprensa que não nos dá status. Quando estréia uma peça ou se lança um filme, os jornais fazem matérias enormes com os diretores. Quando estréia uma novela os jornalistas perguntam qual é o perfume que a gente usa, compara, irritado.

Para encarar a maratona de uma nova novela, um diretor precisa contar com uma equipe entrosada e, principalmente, com assistentes de direção muito afinados. Jorge Fernando garante que todos os dias sente prazer quando pensa que vai se encontrar com seus amigos, como Celimar Brito e Maristela, o diretor-mestre Fábio Sabag e Manguinha. Mas não é fácil dirigir o cotidiano de uma equipe, principalmente de uma que inclui tantas crianças.

Como também sou criança, excito todas elas antes de gravar. Quando quero parar, não consigo mais. Até terminar a novela, vou usar o meu chinelo, ameaça Jorge que descobriu o grande talento do sobrinho João Rebello, que interpreta o Sig. Em Vamp, o diretor também escalou a mãe, dona Hilda Rebello, que interpreta Hermínia. Como é de costume, ganhou um papel - o Vicentinho Fernando - de presente do autor Antonio Calmon, para continuar exercendo a sua profissão original. O personagem da minha mãe está na altura dela e acho que João Rebello será um grande ator, argumenta Jorge que não achou que armou um trem da alegria para empregar os parentes. Confessa que fica nervosíssimo quando precisa gravar as suas cenas, já que, na sua cabeça, além de decorar as falas, precisa resolver todos os problemas que também surgem, naquele mesmo instante, para um diretor geral.

Para que as novelas de Jorge Fernando dêem certo é preciso haver boas doses de humor e ficção. Pessoalmente, ele cultiva o jogo de cintura e a dedicação para aprender, no blefe, com os operadores-de-vídeos, as dezenas de truques e efeitos especiais que criou em Vamp. Isso tudo é muito louco. E ele não está exagerando.

Por 
Rose Esquenazi
Jornal do Brasil
8/12/1991


Assista o Capítulo 133 exibido nesta quarta-feira

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