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quarta-feira, 28 de setembro de 2011

ALÉM DA NOITE PRETA - CHEGA DE ENTREGUISMO, O FEITIÇO É NOSSO



Macumbeiros e catimbozeiros de todo o Brasil estão uma arara com a Rede Globo, em geral, e, Antônio Calmon, em particular. E por justa razão: havendo no enredo de Vamp um pai-de-santo competente como Pai Gil, por que dar preferência a uma vampiróloga inglesa para livrar a Armação da vampirada que assola o lugar? Afinal, por ser negro, o babalaô é infenso às mordidas dos trevosos e tem suficientes poderes, concedidos pelos orixás, para despachar o trêfego Vlad e seus sequazes em qualquer encruzilhada, enviando-os para o quinto dos infernos, de onde, aliás, jamais deveriam ter saído.

Além disso, se o autor favorecesse os similares nacionais, aí estão o "bispo" Macedo e seus obreiros para exorcizar quantos endemoninhados passem pelas novelas da Tevê. Com uma boa sessão de passes e preces, eles transformam até lobisomem em cidadão prestante. Por isso, vampiro para essa rapaziada não passa do trivial simples.

Pode-se argumentar que os vampiros não são assombrações arraigadas na cultura nacional, como tentativa de justificar a importação de técnicos estrangeiros. Mas o argumento é frágil, uma vez que, se depender de nome e sobrenomes importados, pode-se recorrer ao guru Thomas Green Morton, conselheiro de nove, entre 10 estrelas da MPB, que reside em Minas, muito mais perto, portanto, do que Londres, onde vivia sossegada Mrs. Penn-Taylor até ser convocada pelo autor para vir aos trópicos com seu arsenal anti-vampiresco.

Para aumentar a indignação dos chefes de terreiros nacionais, a inglesa recrutou como seu assistente um panaca de carteirinha e firma reconhecida em cartório, desprezando caboclos espertos e competentes pajés. Na Bahia, onde os encantados dão o maior ibope, já tem terreiro botando o nome dos autores da novela na boca do sapo. Eles que se cuidem, pois, como se sabe, feitiço baiano, principalmente se acompanhado de acarajés apimentados, tem mais poder destrutivo que bomba arrasa-quarteirão. Um bom banho de descarrego não faria mal a ninguém.

Por
Henrique Diniz
Jornal O Dia
27/10/1991

sábado, 16 de abril de 2011

ALÉM DA NOITE PRETA - A TRANSILVÂNIA NÃO FICA AQUI

A nova novela das sete, na Rede Globo, tenta sacudir a poeira e revitalizar o gênero na tecla do horror soft. Escrita por Antônio Calmon, com a assistência de Vinícius Vianna, Lilian Garcia e Thiago Santiago, Vamp pretendia fazer uma mistura dosada entre os pequenos sustos provocados pelos efeitos especiais, personagens-alegorias do poder econômico e os temas infanto-adolescentes, no filão explorado pela mexicana Carrossel, em Ibope ascendente no SBT. Vamp tem, de um lado, uma trupe de vampiros e, do outro, as trapalhadas de dois viúvos às voltas com nada menos do que doze crianças, seis de cada um.

O resultado é no mínimo esquizofrênico: nem horror nem comédia, .tentando ser os dois. Até na linguagem televisiva esta divisão se repete. A ala do horror recebe um tratamento neon-realístico na iluminação, nos figurinos, nos efeitos, na edição. A ala cômica, bem ao contrário, se aproxima das gags de desenhos animados, inclusive congelando imagens e transmutando-as em flashes de histórias em quadrinhos. Parece não haver relação entre as duas trilhas do enredo, como se fossem tramas paralelas que pertencessem a novelas diferentes. Há recados cifrados para os amigos, como o nome do rei dos vampiros, Vladmir Polanski (Ney Latorraca), numa referência óbvia ao diretor de cinema Roman Polanski, ou a gracinha com o nome do diretor teatral Gerald Thomas, transformado em Gerald Lamas (Guilherme Leme), ou ainda Carmem. Maura (Joanna Fomm), que cita o nome de uma atriz cômica espanhola. Trocadilhos para o deleite de meia dúzia.

O recurso aos vampiros faria prever uma estética entre o punk e o dark, pela primeira vez numa novela de TV. Não foi o caso. Até a escolha das cidades estrangeiras parece gratuita. Distante da Londres dos punks ou da Nova Iorque dos darks, o roteiro preferiu Veneza e Lisboa. As razoes são inescrutáveis. Do mesmo modo que as idas e vindas ao passado, à Baía dos Anjos de 1781, não parecem afetar o tratamento espetaculoso da movimentação de câmeras e da trilha sonora. Os poucos acertos ficaram por conta da participação de Cláudia Ohana, carismática e afinadíssima, sobretudo no clip musical de Simpathy for the devil, dos Stones, e das intervenções de Nei Latorraca, um ator talentoso e experiente o bastante para driblar a falta de definição de seu personagem, entre o vampiro e o demônio, má leitura do personagem fáustico, reduzindo o pacto à conquista de fama e dinheiro. Jorge Fernando, sempre afiado no tom de comédia, desta vez não soube imprimir uma unidade rítmica à novela.

Ainda é cedo para avaliar o resultado, sobretudo porque vai ser muito difícil, ao longo de mais de cem capítulos, manter o cuidado de maquilagem e figurinos que cercou o começo. Vamp abriu trilhas demais e, por isto mesmo, apesar dos impressionantes efeitos especiais, pode se tornar enfadonha. A impressão é a de que a produção queimou cartuchos em excesso de saída. O espetaculoso também pode virar repetição. E ainda temos muitos meses pela frente...

Matéria publicada no Jornal do Brasil
17/7/1991
Por Marília Martins